Geografia do Interior Ostracizado e Inventado

A minha amiga Madalena e eu inventámos ontem uma pequena aldeia. Eis a descrição.

Cabeço do Tapadinho é uma pequena aldeia com 32, 75 km2 de área e 30 habitantes (e só não tem mais porque a Madalena diz que as aldeias não têm mais de 15 habitantes porque emigram ou vêm para a capital. 30 habitantes não é muito e ficamos satisfeitas).

Cabeço do Tapadinho é famosa pela capela românica de Nossa Senhora dos Pés Quentinhos, santa milagreira, que recebe carapins de lã dos peregrinos que vêm pagar as suas promessas. Em Agosto, celebram-se as Festas de Nossa Senhora dos Pés Quentinhos, promovida pela Confraria da Nossa Senhora dos Pés Quentinhos, que comercializa os famosos "burrolhões de ovo", o doce típico da aldeia (mais tarde, publicarei a receita dos burrolhões).

Adelaide Moreira, de 63 anos é dona do mini-mercado de Cabeço do Tapadinho e o seu marido, Adalberto, de 65, dono do café "Retiro dos Pés Quentinhos". Os dois filhos do casal há muito abandonaram a aldeia para procurarem um futuro melhor no Luxemburgo, destino que parece ser o eleito pelas gerações mais novas de Cabeço do Tapadinho. "Se não fosse a Nossa Senhora dos Pés Quentinhos, não vinha cá ninguém, nem faziamos negócio", queixa-se Adelaide. No mini-mercado de Adelaide vendem-se também os famosos "burrolhões de ovo", mas os feitos pela Avó Ermelinda. "Já está muito velha e vê muito mal. No Natal até estava a falar para a salamandra, convencida que estava a falar com o neto. Agora já precisa da ajuda da irmã, a Tia Almerinda", conta Adelaide.

Com os seus "burrolhões de ovo", a Avó Ermelinda ganhou uma quezília histórica com a Confraria da Sra. dos Pés Quentinhos, mas não perdeu a devoção: "os meus têm segredo e levam também uma calda de açúcar. Os deles não são feitos à mão", diz a velhinha para a porta da dispensa, convencida que está a falar connosco.

A Avó Ermelinda e a sua irmã Almerinda são mulheres de sorte: são frequentemente aliviadas da solidão da viuvez pelas visitas do resto da família, que mora em Lisboa. Filhos, netos e sobrinhos netos rumam a Cabeço do Tapadinho em fins de semanas prolongados e férias para matarem saudades das avós e dos seus cozinhados: "o meu Ruben não pode comer burrolhões porque está de dieta, estava a ficar fortezinho" diz Almerinda, enquanto mostra, orgulhosa a fotografia do seu neto obeso.

Nesta galeria de habitantes famosos de Cabeço de Tapadinho há ainda espaço para o Ti João, pastor de profissão e poeta compulsivo: "Sou pastor do Tapadinho/Passo o dia c' as ovelhas/Sou homem de pé quentinho/Uso meias vermelhas".

Fica o relato de um Portugal genuíno e completamente inventado no caminho do ginásio para casa. Valha-nos Nossa Senhora dos Pés Quentinhos!