quarta-feira, 16 de maio de 2007

Morrer, mas só um bocadinho

Uma coisa que sempre me suscitou muito interesse é a sensibilidade do nosso povo em relação às palavras. O típico "tuga" até pode coçar partes menos próprias em público, cortar as unhas no autocarro (vou guardar esta para um próximo post), cuspir para o chão, mas escolhe muito bem as palavras que profere, sob um rigoroso critério de selecção. Já todos ouvimos um "queria ou quer?" em resposta a um "queria um café, se faz favor" ou, nos táxis, se dizemos: "era para a Praça do Saldanha, se faz favor" levamos logo com um "era? já não é?", seguido de um risinho idiota e irritante que pode até levar a um ataque fulminante de psoríase. Às vezes, ainda me dou ao trabalho de explicar a Modalidade Verbal (que aprendi com a Prof.Isabel Casanova, em Linguística Inglesa, na FLUL, e nunca mais me saiu da cabeça), mas desde que um taxista foi o caminho inteiro para minha casa a dizer que eu é que estava errada, comecei a ter mais tento na língua e na Língua.
Estas coisas das palavras acabam por ser uma moda. Assim como há desfiles de moda para nos mostrar as tendências da estação no que toca a roupa e acessórios, também deveria haver certames de palavras, para vermos qual é a modazinha irritante que vem a seguir. Nos tempos que já lá vão, a palavra "vermelho" estava associada aos Comunistas e, por isso, foi substituída por "encarnado". Fafá de Belém, começa já a preparar uma nova letra para a tua música "Vermelho". Sugiro um refrão: "Encarnado, Encarnadaço, Encarnadusco, Encarnadão".
Uma vez, reparei que um amigo meu pedia "um copo com água", em vez de "um copo de água", talvez temendo que o levassem à letra e que lhe trouxessem um copo feito de água, sem nada lá dentro. E que tal um copo de vinho?
Mas o último dos trends do nosso léxico é substituir o verbo "morrer" por "falecer". Há uns tempos fui corrigida por não sei quem porque disse que não sei quem tinha morrido: "não morreu, faleceu". Ah, claro. Não é a mesma coisa! "Falecer" não é tão grave como "morrer", embora as consequências sejam exactamente as mesmas e, habitualmente, irreversíveis.
A verdade é que também eu substituo o "aleijar" por "magoar" porque o "aleijar" está associado a um ferimento mais grave e "magoar" acaba por ficar mais bonito. Mas, sinceramente, tenho medo destas modas... "medo" não, "receio"...

sexta-feira, 4 de maio de 2007

O Bichinho do Teatro


Recentemente apercebi-me da mais perigosa das epidemias: o "bichinho do teatro", também conhecido por parasitae teatralis. De repente, só se vê gente a dizer que tem o "bichinho do teatro" e que "em crianças faziam teatrinhos para a família". Eu também brinquei aos médicos e nem por isso me deu para ser cirurgião plástico (se bem que as Barriguitas precisavam de uma abdominoplastia)! O raio do "bichinho" ataca, geralmente, a partir dos 17 anos e tem maior incidência no sexo feminino (a puberdade é uma fase em que o ser-humano se encontra vulnerável a este tipo de "bicheza"). Normalmente pode resultar num forte desejo de integrar o elenco dos "Morangos com Açúcar", porém, nem sempre dá vontade de assistir a espectáculos teatrais. Quando ouço alguém dizer que tem o "bichinho do teatro" tenho pena dessa pessoa, porque deve ter imensa comichão e penso senão será falta de higiene. Será que se apanha nas cadeiras dos teatros antigos, daqueles que não vêm aspirador desde a fundação? Ou nos transportes públicos? Talvez nos ginásios, se não usarmos chinelos no duche.


- Senhora Doutora, acho que apanhei o "bichinho do teatro"...

- E sabe onde é que apanhou?

- Bebi do copo de um amigo meu, que é actor...

- Esta juventude não tem cuidado nenhum! Vou-lhe dar um genérico, aplica todos os dias - de manhã e à noite - e lê A Preparação do Actor, do Stanislavsky. Se não melhorar, candidate-se às provas de admissão no Conservatório que isso passa-lhe.

- Senhora Doutora, muito obrigada!

- Vai ficar boazinha, se Deus quiser. É preciso é seguir o tratamento porque senão...

- Pois, Senhora Doutora...

- ...ainda acaba para aí numa Gaivota de Tchekov...

- Cruzes canhoto, Senhora Doutora!

- ...ou um Tio Vânia!

- Obrigadinha, Senhora Doutora!